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O que é biomimética? - Inspiração extraída da Natureza
Através de processos de adaptação, o mundo natural produziu "designs" de performances inigualáveis. Entenda como isto inspira a criação de projetos inovadores.

A natureza é o resultado de trilhões de anos de evolução e adaptação. Os mais diversos e complexos sistemas encontrados no universo, desde a matriz organizacional de uma colônia de bactérias até o equilíbrio gravitacional entre planetas e estrelas, representam produtos intrínsecos que resultam das condicionantes desta dimensão.

Não obstante, desde os primórdios da humanidade, buscou-se nos exemplos do mundo natural soluções para os problemas mundanos do homem. Ainda que hoje, pela crueza dos prédios de concreto e dos carros manufaturados, estejamos a perder esse elo de conexão com a natureza, aonde erroneamente o mundo natural e o mundo mecânico-industrial são vistos como coisas diferentes, o ser humano sempre há de ser uma criação do primeiro e também dependente deste para sobreviver.

E ainda que a humanidade atravesse inúmeras revoluções digitais, tecnológicas e sociais, à natureza sempre será uma fonte rica para observações e estudos. A lógica de seus sistemas e, porque não, algoritmos, produziram uma paleta de possibilidades inspiradoras.

Em conjunto com o avanço da tecnologia e das alterações das cidades e dos ambientes humanos, há de se ter em vista a importância de se manter a natureza como elemento estrutural destes espaços não só por razões estéticas ou em prol da nossa qualidade de vida, mas também porque precisamos progredir sempre com a mentalidade de que nós somos frutos da mesma.

A digitalização, a robótica, os meios de produção e automação das novas revoluções digitais, portanto, precisam ser compreendidos não como uma fuga do mundo natural, mas como uma oportunidade para resgatar muitos dos valores que deixou-se escapar durante os períodos de intensa industrialização e urbanização do século passado.

Isto não é uma novidade em si. A humanidade sempre copiou as formas da natureza, porém sempre de maneira puramente aparente, subjetiva, superficial e que não carregava outros valores mais intrínsecos como os de ordem lógica e sistematização.

A programação, por exemplo, traz consigo a oportunidade de replicarmos as lógicas do meio natural de forma mais fidedigna, não apenas visualmente mas também em seus métodos produtivos e funcionais.

ICD/ITKE Research Pavilion 2015-16. Créditos: ICD/ITKE Stuttgart
ICD/ITKE Research Pavilion 2015-16. Créditos: ICD/ITKE Stuttgart
ICD/ITKE Research Pavilion 2015-16. Créditos: ICD/ITKE Stuttgart

A possibilidade de reproduzirmos virtualmente processos naturais representa o colhimento da inteligência fornecida pelo progresso das ciências físicas, biológicas, geográficas, e tantas outras que estudam o meio natural.

A medida que os novos métodos de fabricação e produção tem se desenrolado, evidenciasse também as similaridades entre os processos digitais e naturais. Para muitos teóricos e profissionais de diversos campos disciplinares isto significa que poderemos progredir para um futuro aonde o tecno-ambiente produzido pelo homem carregará continuamente mais diretrizes herdadas de sistemas orgânicos e físicos.

Para o desenho arquitetônico, principalmente, este não é um fenômeno completamente novo. Nomes como o de Antoni Gaudí e Norman Foster já buscavam na natureza exemplos e soluções que pudessem ser replicadas em seus projetos para criar formas, pensar estruturas, desenvolver novos métodos e aprimorar a eficiência construtiva de maneira geral.

Créditos da imagem: Yet Another MOC Account

Para o artista e para o engenheiro, observar a natureza pode ser de grande inspiração. A inteligência e a beleza que emergem dela carregam também respostas para a solução de problemas complexos da sociedade contemporânea, podendo ir desde fórmulas elegantes sobre como sustentar um telhado até meios de se ventilar um espaço, canalizar a luz solar, entre outras coisas. No entanto, para tal, é fundamental identificar as linguagens naturais e sagazmente extrair de seus detalhes interpretações capazes de ajudar a solucionar problemáticas de design, matemática, programação, materialidade, etc.

Identificando a linguagem da Natureza

“Nenhum computador na Terra pode se igualar ao poder de processamento mesmo do sistema natural mais simples, sejam moléculas de água sobre uma rocha quente, um sistema enzimático rudimentar ou o movimento de folhas ao vento. O uso mais poderoso e desafiador do computador… é aprender como fazer uma organização simples (o computador) se tornar um modelo do que é intrínseco em uma organização mais complexa, na qual tudo se encontra infinitamente vinculado (o sistema natural ou real).” (Kwinter 2011)

Durante o processo de criação de um sistema algorítmico, um programador descreve um conjunto de regras e condições que dá, através da lógica, sentido ao que se almeja criar. De forma similar, em um processo de engenharia reversa, é possível notar como na natureza existem sistemas que, embora parte de variáveis infinitamente mais complexas e interligadas, também constituem uma forma de linguagem universal, aonde as leis da física, química e outras tantas ciências, definem seus processos e correlações do micro ao macro.

Conseguir identificar no sistema natural os fatores responsáveis por moldar os padrões e seus sistemas, através de uma leitura dos processos generativos destes, poder ser uma habilidade crucial para a expansão do combo léxico do designer e do programador do século XXI.

Em seu artigo, “Formação de padrões na natureza: restrições físicas e características auto organizacionais”, Philip Ball examina alguns destes padrões encontrados nos sistemas naturais, explicando como eles são tipicamente formados através de interações locais entre muitos componentes – algo que sugere uma forma de “computação física” capaz de gerar sistemas auto-organizacionais dos quais emergem tais estruturas e comportamentos.

O autor explica que tamanha regularidade, capaz de garantir o corte preciso e organizado de cada elemento em um padrão, possui por vezes tamanha beleza e ordenação que não é de se espantar que nos tempos primordiais tenham sido utilizados como evidencias de uma mão divina, a qual haveria planejado e colocado cada peça individualmente em seu lugar.

Cientistas de diversos ramos já demonstram hoje, porém, que não há a necessidade de um agente inteligente para que estas ocorram, e que padrões similares podem ser identificados tanto no mundo orgânico quanto no inorgânico.

Através das muitas interações entre componentes espontâneos, tais como reações químicas, choque de partículas, aglutinação de moléculas, propagação de rachaduras, deposição material ou o simples soprar do vento, diversos matizes organizacionais surgem.

O estudo de tais padrões compreende, assim, a pesquisa de sistemas complexos, aonde os comportamentos emergentes e os objetos resultantes não podem ser deduzidos a partir da observação das propriedades individuais, visto que seu processo generativo pode ser percebido apenas quando observado como parte de todo um sistema que se auto-organiza.

Ball traça ainda uma relação entre muitos dos padrões da natureza e os sistemas humanos:

“Tais regularidades não são apenas uma característica do mundo natural insensato ou instintivo, mas também podem ser encontradas em sistemas sociais humanos que aparentemente estão sujeitos aos caprichos do livre-arbítrio; por exemplo, nas ondas uniformemente espaçadas de congestionamento que podem aparecer no tráfego em movimento, ou nos ciclos quase-periódicos dos sistemas econômicos. Entender como a formação espontânea de padrões ocorre é, portanto, um esforço que une muitos campos diferentes da ciência, da zoologia à mecânica e da cinética química à sociologia. Muitos padrões na natureza têm um aspecto universal que não respeita as divisões tradicionais entre as ciências naturais, ou mesmo entre o mundo vivo e o não-vivo. Pelo contrário, os padrões naturais parecem vir de uma paleta relativamente limitada, mesmo em sistemas que parecem não ter nada em comum um com o outro.” (Ball 2012)

Logo, a resposta para os enigmas que permeiam os padrões se encontra na compreensão dos processos que o levaram a ocorrer. Isso é menos óbvio do que a sentença pode sugerir, visto que tendemos a compreender uma ponte, um campo de arroz ou um microchip pela sua aparência momentânea e não pelo seu processo de desenvolvimento.

Por exemplo, o que as formas de dunas de areia podem nos contar sobre seu processo generativo? É presumível que assim que qualquer pequena protuberância cresça na superfície plana do deserto, esta aja de forma a bloquear o vento e com ele também os grãos que ele arrasta, assim crescendo. E quanto maior essa protuberância fica, mais grãos ela passa a capturar. Ao mesmo tempo, isso significa que o vento precisará de um mínimo de espaço a fim de superar esta barreira criada; Mas logo que esta barreira é superada, o processo se repete e outra duna surge.

Photo by Joshua Brown
Photo by Leah Kennedy

Em um conjunto de dunas, portanto, haverá padrões de distância, altura e outras características que estarão atreladas às condicionantes locais, como o vento e a granulometria da areia. Daí a importância de notar que este sistema não é apenas aquilo que se observa superficialmente - e que todo seu processo generativo deve ser levado em conta a fim de se compreender a complexidade e o processo organizacional por trás de seus padrões.

A compreensão mínima de cada um destes sistemas pode nos levar, assim, a entender como muitos outros acontecem. Será que a formação das camadas celulares de um fungo também não se dá por processos minimamente semelhantes num nível bioquímico de interação? Ou seria a aparência similar uma ilusão?

Imagem de um padrão encontrado em Fungos.
“Apesar das aspirações pelo contrário – Não há nenhuma teoria universal a respeito da formação de padrões na natureza. No entanto, tem sido possível identificar muitos princípios comuns, como a universalidade de certas formas básicas (hexágonos, listras, ramos hierárquicos, formas fractais, espirais).” (Ball 2012)

De maneira geral, estes padrões auto-organizacionais podem ser entendidos como uma forma de processo programático computacional executado pelas interações entre condicionantes e fatores. Deste modo, designers e arquitetos podem almejar encontrar nestes muitas das respostas e soluções para seus projetos e sistemas virtuais no futuro.

E da mesma maneira que na observação destes sistemas é fundamental compreender seus processos para além de um retrato momentâneo, a produção de um elemento arquitetônico ou urbanístico biomimético precisa ir para além da aparência estática e suas similaridades puramente formais. Se corretamente aplicada esta é uma disciplina que poderá direcionar o design com soluções ímpares que partem já da resolução das problemáticas e dão um sentido muito mais amplo ao que se admira.

Tree Hopper by OTCO
Henrique Andrade

Arquiteto e Urbanista de formação, designer e programador por insistência. Acredito que a tecnologia tem o poder de revolucionar a sociedade para o bem e para o mal, a depender de como a utilizamos.

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